O início de um sonho: você quer construir uma startup bem-sucedida na América Latina. Deu tudo certo: após uma década de muito trabalho e investimentos financeiros (e emocionais), você um dia recebe um e-mail diferente na sua caixa de entrada.
É de uma grande empresa de tecnologia: ela percebeu como sua startup é incrível, e quer comprá-la por centenas de milhões de dólares.
Parece interessante, né?
Pois isso foi o que aconteceu com o Brian Requarth, co-fundador da Latitud, quando ele ainda estava no Grupo ZAP Viva Real. Você já deve saber que a empresa acabou de fato sendo comprada pela OLX por US$ 640 milhões.
Mas o que você não deve saber é que US$ 100 milhões foram perdidos.
Sim, tudo isso. Em impostos. Por conta de uma estrutura jurídica errada para sua startup. Como abrir uma startup do jeito certo para que você não cometa o mesmo erro?
Neste guia, vamos te contar o significado da incorporação de uma startup e dar ainda mais motivos para ter uma startup incorporada do jeito certo. Depois, vamos mostrar na prática como estruturar juridicamente sua startup, com a melhor incorporação para cada momento do negócio.
Vamos ainda relevar qual a estrutura jurídica que os unicórnios da América Latina usam, para você saber o que você tem de fazer quando chegar lá. Se você já está com sua startup em operação e percebeu que sua estrutura jurídica não é a certa, vamos mostrar como mudar sua estrutura jurídica por meio de um flip.
Por fim, temos um checklist definitivo de estrutura jurídica, para você marcar suas opções e tomar a melhor decisão. Bora ver como abrir uma startup?
Ao começar uma startup, conversar com potenciais clientes, criar um MVP, atrair talentos e abrir portas com futuros investidores são algumas das preocupações que povoam sua lista de tarefas diariamente.
A maioria dos empreendedores quer se livrar da estruturação jurídica o mais rápido possível para focar na operação. Mas todo esse trabalho para criar valor pode ir por água abaixo pela falta de interesse em ter a melhor estrutura jurídica.
Um pouco de dedicação logo no começo pode evitar não apenas muita dor de cabeça, mas também a perda de milhões de dólares. Essas perdas não vêm apenas de impostos, como vimos, mas também de investidores que deixam de colocar dinheiro no seu negócio.
Quando você capta rodadas maiores ou quando capta com investidores internacionais, ter apenas uma operação local pode preocupá-los quanto a obrigações financeiras e legais inesperadas. No caso de um processo trabalhista, por exemplo, os investidores não teriam como saber com 100% de certeza se poderiam ou não ser responsabilizados. Eles também não podem prever se alguma autoridade local bateria em sua porta exigindo alguma informação ou até mesmo uma auditoria completa.
Para um VC global, colocar seu dinheiro em empresas brasileiras com um modelo jurídico que ele desconhece, e com imprevisíveis futuras mudanças regulatórias, é um risco a mais. E startups já são arriscadas o suficiente.
Um exemplo: o SoftBank tem sede no Japão, e não vai ter domínio da legislação corporativa brasileira. E não é por preguiça. Pode ser por falta de confiança, estabilidade e transparência das nossas instituições, ou simplesmente por ser virtualmente impossível se aprofundar nas leis de todos os países do mundo. Se não estiver tudo claro e mastigado pelo menos no básico que é a regulação, fica difícil avaliar todos os riscos envolvidos.
Não somos apenas nós que estamos dizendo isso. Essa também é a visão de investidores em gestoras internacionais de renome.
Um exemplo vem provavelmente da primeira firma global de venture capital que deve vir à sua mente: a Andreessen Horowitz (a16z). “Quando a gente está investindo numa companhia brasileira, ter a governança e a estrutura corporativa correta têm impactos significativos. Não apenas em termos tributários, mas em possíveis obrigações por parte dos investidores", afirmou David Haber, general partner da a16z, durante o evento Launchpad by a16z + Latitud, em São Paulo.
"Existe uma fricção quando os fundos internacionais não veem uma entidade internacional com a qual lidar. Ela é muito importante para que os fundadores latino-americanos consigam atrair capital do exterior, e pode ser o ponto de virada para o ecossistema da região", concordou Itali Collini, principal no fundo de impacto internacional Potencia Ventures e investidora anjo pela Latitud Angel Fellowship, também durante o evento.
Ainda não se convenceu? Dan Green, sócio do escritório de advocacia focado em startups Gunderson Dettmer, também compartilha desse raciocínio.
"Um investidor internacional não se sentirá confortável em investir em uma Limitada. Ele busca previsibilidade na governança, saber se seus direitos como investidor estão protegidos e se suas obrigações como membro do conselho estão bem definidas", disse Dan durante um episódio do nosso Latitud Podcast. A Gunderson auxiliou em transações famosas, como a aquisição da Cornershop pela Uber e a rodada Série D da Kavak.
Investidores e advogados não são suficientes. Você prefere ouvir essa verdade de outros fundadores de startups. A gente entende – então coletamos alguns exemplos da vida real, contados por outros fundadores de startups na América Latina.
Ruben Guerrero, fundador da Sproutfi, chegou ao Brasil em 2008. O empreendedor compartilha que, naquela época, se você estava construindo uma startup no Brasil ou em qualquer outro país da América Latina, só conseguia conversar com investidores locais.
Por isso, um fundador de startup não precisava se preocupar com ter uma estrutura jurídica nos Estados Unidos ou em um terreno neutro, como as Ilhas Cayman. Mas, com o desenvolvimento do ecossistema de startups na região, investidores internacionais passaram a ter um interesse genuíno na região.
"E eles não se sentem confortáveis ou entendem estruturas locais. Uma das maiores fricções que eu vejo entre os empreendedores é eles verem esse maior acesso ao capital internacional, mas ao mesmo tempo não ser uma tarefa fácil aos empreendedores de primeira viagem incorporar do jeito certo para captar esses fundos", afirmou Ruben durante o Launchpad by a16z + Latitud.
João Pirola, co-fundador da fintech AmFi, ressaltou como a questão da incorporação pesa durante a negociação com investidores internacionais. "Estamos começando a levantar nossa rodada semente neste momento. E a primeira coisa que nos perguntam é em qual país está nossa estrutura jurídica."
Vale a pena fazermos uma pequena retrospectiva de como as startups começam sua incorporação, e como elas chegam até estruturas jurídicas mais adequadas aos investimentos internacionais. (Prometo que seremos breves. Ninguém aguenta uma aula de Direito.)
O primeiro modelo de estrutura jurídica é ter apenas uma empresa local – no caso do Brasil, a Limitada (conhecida pela sigla LTDA). Já que toda a sua operação existe no país em que está, faz sentido abrir uma empresa neste país e tudo certo, né?
Se você quiser levantar rodadas mais significativas e com investidores globais, errado. Ok, acabamos de aprender isso. Surge então um segundo modelo de estrutura jurídica: ter a Limitada no Brasil, mas também uma C-Corp em Delaware (Estados Unidos).
Essa C-Corp detém 100% das ações da empresa brasileira. Isso permite que o investidor americano invista na empresa em seu próprio país, onde já entende toda a regulação e assim evita riscos financeiros e jurídicos desnecessários.
Parece perfeito, mas até mesmo a C-Corp tem seus defeitos. Um famoso defeito
é a taxação dupla: não só as empresas pagam impostos sobre o lucro gerado, mas os acionistas individuais também pagam impostos sobre dividendos ou liquidações de suas ações.
Os investidores logo ficaram infelizes com a alta carga de impostos das C-Corps, que acabava diminuindo o retorno sobre seus investimentos. Chegamos ao terceiro e último modelo de estrutura jurídica: o delicioso Cayman Sandwich.
Vamos para o começo dos anos 2010, quando você ainda não tinha enjoado das músicas da Adele. Nossos amigos latino-americanos da gestora Kaszek e o escritório de advocacia PAG Law repensaram a estrutura jurídica das startups e, buscando aumentar a eficiência fiscal dos seus investimentos, desenharam o "sanduíche das Ilhas Cayman".
Pelo Cayman Sandwich, a startup tem esta estrutura:
Esse é o modelo ideal para criar sua startup olhando para eficiência fiscal, para captações maiores e para captações no exterior. Também é o padrão global geralmente esperado por VCs no mundo inteiro – mas vale mencionarmos que alguns family offices e VCs europeus podem não gostar do formato.
Seria fácil (e irresponsável) recomendarmos algo que nunca foi testado antes. Quase metade dos unicórnios da América Latina têm uma entidade nas Ilhas Cayman como parte da sua estrutura (47,7%). É uma porcentagem impressionante, considerando que esse formato só se popularizou na última década.
Unicórnios brasileiros como 99, Stone, Creditas, QuintoAndar e Loft usam essa estrutura recomendada.
Vamos usar a história do QuintoAndar como exemplo. A startup imobiliária foi fundada em 2012. Iniciou sua operação com um modelo de Limitada + LLC em Delaware.
Isso foi o suficiente até 2015. Quando a startup começou a se preparar para sua Série A, viram a necessidade de abrir uma holding nas Ilhas Cayman. A incorporação foi realizada antes do aporte de US$ 7 milhões da Kaszek. O QuintoAndar recebeu muitas outras rodadas desde então, captando mais US$ 700 milhões. Hoje, sua avaliação de mercado (valuation) supera os US$ 5 bilhões.
Um ponto importante é que o capital que você levantou ou está levantando precisa ser suficiente para cobrir o custo de manter a sua empresa operacional pelos próximos 24 meses.
Além dos custos de abertura da empresa no exterior, manter a estrutura jurídica internacional do Cayman Sandwich pode chegar a custar mais de US$ 6 mil por ano. Se essa quantia for deixar um buraco no seu orçamento, é sinal de que talvez seja cedo demais.
Crie apenas as entidades legais necessárias para receber o investimento agora. Você pode escolher outras incorporações agora e reorganizar a sua estrutura corporativa no futuro.
É sobre isso que vamos falar agora. Se você está negociando um cheque pequeno, um Cayman Sandwich pode ser um salto financeiro e jurídico muito grande. É por isso que sugerimos outra estrutura para startups brasileira nessa situação: uma Delaware Tostada.
Ter uma Delaware Tostada significa criar uma Delaware LLC e colocá-la acima da sua operação brasileira. É um Cayman Sandwich sem o pão de cima (o que nós também conhecemos por aqui como torrada).
Fundadores brasileiros tipicamente precisam adicionar Delaware LLCs ao topo das suas companhias locais, e colocarem as próprias Delaware Tostadas na torradeira, quando estão prontos para levantar um investimento anjo, pré-Seed ou Seed.
Esses fundadores também já discutiram a possibilidade de incorporar uma LLC com investidores e conseguiram um sinal verde. Alguns investidores abertos a escreverem cheques para startups com uma estrutura jurídica de Delaware Tostada são 500 Startups, Canary, Maya Capital, Norte Capital, ONEVC, e nosso amado Latitud Fund!
Por fim, esses fundadores estão abertos a mudar suas estruturar jurídicas caso necessário no futuro, mas querem o melhor custo-benefício por enquanto. No Brasil, uma LLC pode ser convertida para uma corporação sem incorrer em tributações necessariamente.
"Montar uma estrutura corporativa internacional sem dissolver a empresa existente e incorporar uma nova pessoa jurídica do zero" pode parecer muito específico.
Mas vamos compartilhar um segredo: muitos outros fundadores de startups passaram pelo mesmo problema. A solução, na verdade, tem um nome bem simples e conhecido: flip (conheça mais a fundo todos os passos para transformar a estrutura jurídica da sua startup).
Quando um flip é feito corretamente, sua propriedade intelectual e participação acionária na empresa estarão protegidas. É por isso que é importante ressaltar mais uma vez: você definitivamente precisará de aconselhamento jurídico para mudar sua estrutura corporativa.
O tempo para o flip ser concluído depende da complexidade do seu caso específico, da sua cap table e da estrutura corporativa em que você gostaria de adotar. Mas um flip leva pelo menos 6 semanas desde o início até o final.
Quanto antes você pensar na estrutura jurídica da sua startup, mais cedo pode perceber a necessidade de flipar e mais fácil será essa transição, segundo Dan, da Gunderson Dettmer. Sua startup provavelmente ainda não está tão madura e não tem tantas pessoas no cap table e tanto faturamento ou lucro. Ainda, você se posicionará desde cedo da melhor forma possível para captar investimentos e assegurar a manutenção do valor criado pela sua startup.
Veja a árvore de decisão para a estrutura jurídica da sua startup abaixo:
Agora ficou fácil, né? Mesmo assim, sempre converse com seus investidores e buscar conselheiros fiscais locais e escritórios de advocacia internacionais especializados e tenha certeza de que a estrutura escolhida é aceita por todos os envolvidos na rodada antes de bater o martelo sobre qual será sua estrutura jurídica.
Agora, você tem muito mais preparo para ter essa DR.
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