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Lei nº 14.754: o que muda na tributação de startups e VCs brasileiros com offshoresLei nº 14.754: o que muda na tributação de startups e VCs brasileiros com offshoresLei nº 14.754: o que muda na tributação de startups e VCs brasileiros com offshores

Lei nº 14.754: o que muda na tributação de startups e VCs brasileiros com offshores

A Lei nº 14.754 já vale para o próximo ano – e vai transformar a tributação de brasileiros e brasileiras que investem lá fora e controlam offshores. Veja o que muda para fundadores/fundadoras e investidores/investidoras de startups
Bruno Habib
Partner at Veirano Advogados
Published
December 15, 2023

A Lei nº 14.754 recebeu sanção presidencial esta semana – e assim, vai transformar já no próximo ano (2024) a tributação para pessoas físicas que moram no Brasil mas investem no exterior.

Para resumir: a nova lei agora antecipa a arrecadação de impostos para o momento de geração do lucro, e não apenas na distribuição.

Estar preparado é sempre uma boa pedida – seja quando falamos de impostos ou de América Latina. Então aqui está tudo que você precisa saber sobre a Lei nº 14.754:

  • O que diz a Lei nº 14.754?
  • Qual o alvo da nova lei?
  • O que muda para startups e fundadores/fundadoras?
  • Existe alguma saída, mesmo que parcial?
  • O Cayman Sandwich vai continuar em uso?

O que diz a Lei nº 14.754?

Antes dessa nova lei, pessoas físicas residentes no Brasil investiam no exterior e só pagavam imposto de renda sobre seus lucros quando o investimento em si fosse vendido ou quando lucros fossem realmente distribuídos.

Ou seja: alíquotas de impostos que chegavam a 27,5% só eram cobradas quando esses brasileiros e brasileiras realmente tinham o dinheiro em mãos. Enquanto o dinheiro ficasse lá no exterior, eles e elas não deviam nenhum imposto.

Assim, na maioria dos casos, os investimentos ficavam 1) em entidades offshore localizadas em jurisdições de baixos impostos (como as Ilhas Cayman) e 2) sem distribuir lucros. Assim, 3) não havia nenhum imposto de renda a ser pago no Brasil.

Com a aprovação da Lei nº 14.754, esse diferimento eterno de impostos não será mais disponível a partir de 1º de janeiro de 2024.

A lei promove um regime fiscal anti-diferimento – o mesmo que vemos em países como Chile, Colômbia, México e EUA. Isso significa que você paga impostos antecipadamente, e não só quando transfere seu lucro de volta ao Brasil.

Agora, pessoas físicas residentes no Brasil que invistam no exterior por meio de entidades offshore controladas serão obrigadas a declarar os rendimentos dessas entidades nas suas declarações individuais de imposto de renda.

Esses rendimentos, como lucros e dividendos, devem ser checados todos os 31 de dezembro e informados na próxima Declaração do Imposto sobre a Renda da Pessoa Física (DIRPF). Depois, as pessoas físicas residentes no Brasil pagarão o imposto de renda sobre esses rendimentos. Sim, mesmo que não tenham nem sido distribuídos ainda.

Mas a gente não está trazendo apenas más notícias. A alíquota do imposto de renda sobre esses rendimentos foi reduzida, de até 27,5% para 15% fixos.

Qual o alvo da nova lei?

A nova legislação está de olho principalmente no lucro de pessoas e instituições (por exemplo, family offices) brasileiras, com alto patrimônio e que controlam entidades internacionais para investimento.

Estruturas offshore também são muito usadas no mundo das startups e do capital de risco. Por isso, algumas startups e investidores/investidoras de venture capital também serão afetados pela nova lei. Mesmo assim, você vai ver logo mais que as mudanças não são tão impactantes nesses casos.

Anjos, investidores/investidoras de capital de risco minoritários, funcionários/funcionárias com stock options, e cofundadores/cofundadoras minoritários e sem direitos de decisão provavelmente não serão afetados, já que provavelmente não são controladores das entidades offshore.

O que muda para startups e fundadores/fundadoras?

Declarações fiscais anuais dos fundadores

Para lembrar: residentes fiscais no Brasil agora vão ter que declarar e pagar impostos sobre os rendimentos de suas empresas offshore controladas, por meio das suas declarações pessoais.

“Controle” pode ser ter mais de 50% das ações (simples de entender). Ou pode ser ter direitos de decisão (não tão simples de entender). Então, verifique primeiro se você realmente tem controle ou não da entidade offshore.

No caso de fundadores controladores ou fundadoras controladoras, é importante saber que o pagamento do imposto é proporcional ao percentual de participação na entidade. Vamos ver o exemplo de uma startup fictícia, chamada XYZ:

Offshores criadas por fundadores e fundadoras de startups geralmente são holding puras – ou seja, não-operacionais. Qualquer lucro tributável geralmente vem de fontes passivas, como o dinheiro de uma rodada com VCs ter ficado investido numa conta internacional e gerado rendimentos.

Saídas

Fundadores e fundadoras que criam holdings offshore pessoais e detém suas ações com o objetivo de adiar a tributação após a liquidação da startup (= saída, exit) vão ser impactados.

Esse objetivo ficou mais popular recentemente – e prevemos que essa popularidade vai cair a partir do próximo ano, já que os benefícios de ter uma holding pessoal já não são tão claros e devem agora ser avaliados caso a caso.

Novas rodadas e novos valuations

Mas o que acontece quando uma startup levanta uma nova rodada e vê as suas ações valorizarem?

Na maioria dos casos, essa alteração no valuation não deve ser colocada na contabilidade da sua startup como um resultado operacional que gerou lucro. Ou seja, dependendo do tratamento contábil adotado, não vai se preciso pagar o imposto de renda anual estabelecido pela nova lei.

Mas ainda é importante acompanhar sua participação na empresa depois de cada rodada. Se você ganhou ou perdeu o controle da startup, isso pode torná-lo alvo ou não da nova lei.

Existe alguma saída, mesmo que parcial?

Existe sim uma saída parcial no caso de ativos ilíquidos. As pessoas físicas residentes no Brasil mas que investem no exterior por meio de entidades offshore controladas por elas podem tratar essas entidades como transparentes para fins de imposto de renda e como uma propriedade de cada fundador ou fundadora na pessoa física.

Essa escolha deve ser feita até o prazo final para entrega da declaração do imposto de renda, e é uma decisão irrevogável, que não pode ser revertida enquanto seus donos e suas donas detiverem a entidade offshore controlada.

Provavelmente, a transparência será a escolha da maioria dos indivíduos residentes no Brasil que detêm ativos ilíquidos no exterior através de entidades offshore controladas, especialmente investimentos de venture capital e private equity.

Isso porque tratar as entidades offshore como transparentes para efeitos de imposto sobre a renda permite um diferimento parcial – nenhum imposto sobre o lucro será pago até que os ativos ilíquidos sejam vendidos.

No entanto, quando a venda realmente acontecer, pessoas físicas residentes no Brasil serão obrigadas a pagar o imposto de renda sobre seus rendimentos. (Desculpe, não tem como escapar dessa.)

Por mais que transferir ativos para uma holding pessoal já não seja tão vantajoso, do ponto de vista da liquidação (saída), as taxas de imposto permanecem idênticas e podem até ser reduzidas para 15%, dependendo se os ativos vendidos são considerados ativos financeiros no exterior.

O Cayman Sandwich vai continuar em uso?

Sim, o Cayman Sandwich continua sendo uma opção eficiente para fundadores e fundadoras de startups que buscam uma estrutura corporativa internacional. E aqui o porquê:

  1. O sanduíche Cayman-Delaware existe também por razões que não são fiscais. A governança mais avançada e a proteção contra obrigações regionais mantém as empresas offshore atrativas para investidores e investidoras.
  2. Na maioria dos casos, a opção pela transparência para fins de imposto de renda eliminará ou mitigará de forma significativa o problema associado ao pagamento do imposto de renda pelo regime de competência, para ativos sem liquidez.
  3. Mais importante ainda: a Lei nº 14.754 não afetará investidores e investidoras estrangeiros de venture capital. Eles ainda serão beneficiados pelo Cayman Sandwich, especialmente quando as transações forem concluídas inteiramente fora do Brasil.

Ainda assim, temos que lembrar: fundadores/fundadoras e investidores/investidoras serão afetados, mesmo que não tanto quanto investidores/investidoras individuais e family offices, e deverão discutir a estratégia a ser implementada com consultores tributários e fiscais.